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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

COMPLICADO


   Era tudo muito simples e muito claro no começo. Eles deveriam fazer apenas um pequeno esforço e seria sempre assim. Pelo menos, foi o que pensaram embora nunca houvessem comentado isso entre si (por sinal, eles não comentavam quase nada entre si). O problema é que essas coisas não se alcançam mediante esforços e, o agravante: não se mantêm com esforço algum. Essas são coisas dessas que acontecem, sabe, naturalmente.
   Mas eles eram tinhosos e, mesmo vendo que não estavam obtendo êxito na estratégia do ‘esforço’, continuavam por ela caminhando exauridamente. Assim, eles eram obrigados a despender cada vez mais força para maquiar o esforço que estavam fazendo no afã de que as coisas continuassem muito simples e muito claras como no começo – e é claro que tudo seria mais fácil se não houvessem eles feito mais esforço algum desde que perceberam que essas coisas não se sustentam dessa forma. Porque eles perceberam isso, ah, perceberam!
   Mas a vontade casual de que continuasse a simplicidade e a clareza iniciais foi-lhes tomando ar de necessidade vital, e aquilo os foi cegando (de verdade). Talvez, se um deles houvesse comentado com o outro sobre a camada vermelho-sangue opaca que estava se formando sobre as suas retinas, o outro pudesse ter feito alguma coisa a respeito, mas eles não comentavam mesmo quase nada entre si. E, agora, caminhando já em direções opostas, enxergando parcialmente apenas, acharam-se perdidos no meio de um caminho que, antes, pensavam conhecer bem mesmo com os olhos vendados.
   Exaustos, cegos, mas conscientemente sem a companhia de outrora, viram tudo ficar muito complicado e muito escuro. Passaram então a correr, ambos com a mesma finalidade: encontrar o outro. Corriam desesperadamente sem perceber que quanto mais tentavam se aproximar, mais é que se afastavam – como a letra daquela música, mas invertida. E foi menos desespero que falta de atenção o que os fez esquecer o fio que os prendia por uma das pernas um ao outro. Não carecia tanto desperdício de energia para que se achassem, bastava usar o fio, puxar o fio. Mas eles queriam correr, e uma hora o fio ficaria pequeno para a distância que eles tomariam – ou melhor, a distância ficaria grande de mais para o fio, que não era curto, diga-se de passagem – ai viria a queda.
   Eles corriam com tanta voracidade e anseio íntimo pelo encontro que a força da carreira ocasionou não só a queda como a quebra do fio. E a única coisa que não poderia acontecer entre eles era a quebra do fio que os unia, porque sem o fio eles não eram mais eles, eram apenas um e outro. E quando duas pessoas tornam-se apenas ‘um’ e ‘outro’ elas não conseguem compreender o mundo da mesma forma como se fossem ‘eles’. Mudam-se as conjugações nos tempos tanto no presente, como no futuro e, pasmem, até no passado. Porque não importa como tenha sido o passado entre ‘eles’, se um dia houver a segregação pode até não mudar o que se lê, mas muda o modo como se lê e o gosto que essa leitura tem. É tudo muito simples e muito claro, na verdade, e isso já é complicado o suficiente pela própria natureza.

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