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sábado, 9 de abril de 2011

Professor...



 
   Professor”, chamou um garoto. Não era professor, estava apenas fiscalizando a prova, mas não disse isso ao aluno, talvez até porque tenha gostado da solenidade que teve aquele levantar de indicador esquerdo (o menino devia ser canhoto), aquele aguardar por consentimento para falar e aquele pronunciar reverente da palavra professor direcionada a ele. “Pode dizer”. E o menino, que fazia o primeiro ano do ensino médio, apontou em silêncio para a palavra e continuou: “O que é adultério?”
   Ele não diria em hipótese alguma qualquer coisa que influenciasse um possível acerto ou erro nas respostas, nunca havia feito aquilo porque era uma pessoa consciente, sua função ali era apenas impedir a famigerada e milenar tradição estudantil da pesca (ou cola, como queira). Mas abriu a boca e disse: “Traição, infidelidade conjugal, quando um homem ou mulher trai a pessoa com quem mantém um compromisso emocional”. Disse e ficou pensando na besteira que tinha feito. Não deveria ter aberto a boca - só para esbanjar conteúdo, só para mostrar que sabia dispor compreensivelmente a explicação de um termo.
   Por que motivo deu, ele, a definição daquele verbete? Isso não há quem responda, não mesmo. E o fiscal, certo de que lera a questão antes de falar, sabia que o significado daquela palavra não era definitivo para chegar-se à resposta final, mas mesmo assim não deveria ter dito - não deveria! Não por uma questão de pudor, mesmo em se  tratando de uma coisa como o adultério, nada disso. O que pesava sobre aquele falso professor era lembrar que os professores, por mais falsos que sejam, quando perguntados sobre a significação de um verbo ou substantivo, ou seja lá o que, mandam que os alunos procurem no Aurélio ou na Barsa - mandam procurar no Google - mas não respondem de cara. Porque responder a um desses meninos, assim de cara, o significado de um substantivo ou adjetivo, ou seja lá o que, é castrar uma oportunidade de aprendizado duradouro quanto àquilo.
   Quando procura no dicionário, o estudante aprende por esforço pessoal, ele constrói o conhecimento, ele apreende por experiência própria. E com aquela ação o fiscal tirava a oportunidade que o menino teria de aprender por experiência própria, talvez pelo próprio erro, o que seria adultério. Era difícil, muito difícil para o fiscal lidar com a revolta interna que surgia lentamente ali nele contra ele mesmo. Mas (ficou pensando) não teria sido isso na verdade um favor? Afinal, estava poupando um adolescente de ter que aprender por experiência própria o que seria adultério!
   Algumas pessoas, é verdade, conseguem passar tranquilamente pela coisa, umas dessas saem até melhor do que se esperava, saem melhor até do que estavam antes (no caso delas o adultério foi um benefício que não poderia ter deixado de vir-lhes acontecer), saem vacinadas, até mais bonitas, mais menos chochas. Entretanto há aqueles que tomam de uma vez uma cartela inteira de Diazepan, tomam chumbinho, bebem shampoo ou água sanitária, que se jogam na frente de carros ou de cima de prédios, que cortam os pulsos (ou seja, os que resolvem acabar com TUDO); mas e quando a pessoa resolve acabar com TODOS e entrar armada num cinema atirando na platéia, nos seguranças, nos atores, ou resolve pegar um carro e explodir no meio de uma avenida em horário de pico?! É sério, as pessoas mal-equilibradas podem perder completamente o equilíbrio ai pronto, já éramos.
   E aquele menino era canhoto! Sabe-se lá se isso não era traumatizante para ele (imagine, durante as séries iniciais, os outros meninos chamando-o por apelidos e rindo daquele jeito nem tão sem jeito que ele tinha pra escrever). Outra coisa, naquela idade não saber o que é adultério é estranho também, ele devia ter um déficit de atenção ou de aprendizado (talvez por conta mesmo das brincadeiras de mau-gosto dos colegas quanto à sua não-destreza, que o desmotivava a estudar, ler, ir à escola) certamente isso influenciava suas notas, boletins, anos e anos de recuperação, talvez até alguma repetência.
   Aquele menino aprendendo por experiência própria o que é adultério seria um perigo!
   “Professor”, chamou uma garota. Não era professor, sabia disso, agora mais do que nunca - nem um falso professor ele poderia ser - estava apenas fiscalizando a prova, mas não disse isso à aluna, porque gostava daquilo, o indicador levantado, a espera pelo consentimento, a reverência no vocativo. “Pode dizer”. A menina apontou em silêncio para a palavra e continuou.

2 comentários:

  1. hum...que fôlego heim!!!!queria ter essa vocação prosáica!!!!parabs,arisend!!!!

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  2. Professor e o dom de ensinar...
    Gostei do texto....parabéns!
    Abraços.
    http://nomundodosleitores.blogspot.com/

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